James G. Smith: o americano tranquilo, ou, Um bom motivo para não sermos antiamericanos
Preconceito no consulado
James G. Smith
Sou um cidadão norte-americano e resido no Rio de Janeiro.
Em dez anos, requeri e obtive vistos brasileiros, primeiro como turista e, agora, como residente, devido à minha aposentadoria.
Todos os vistos foram obtidos em consulados brasileiros nos EUA, onde fui tratado com respeito e dignidade.
Recentemente, acompanhei um casal de brasileiros em entrevista para obtenção do visto de turista para os EUA. Conheço-os há anos e os acompanhei como amigo e facilitador, pois lhes ofereci estada em minha casa em Nova York. Era a segunda entrevista. Na primeira, em cinco minutos, o agente consular negou-se a examinar a documentação comprobatória da situação financeira e dos laços com a pátria natal. Em vinte e cinco anos de casamento, esse casal viveu uma vida de muito esforço, construindo o futuro de sua filha, que enviaram para a universidade — realizando nela o que não tiveram, pois abandonaram os estudos para trabalhar. Hoje, ambos com empregos estáveis, proprietários de um imóvel, contam com uma renda que lhes permite custear a viagem.
Para um americano, tem se tornado difícil viver no exterior, por conta da crescente onda de antiamericanismo.
Mas penso entender agora as raízes desse sentimento. O consulado do Rio negou a esse casal a mesma cortesia que me foi dispensada pelo consulado brasileiro. A recusa do visto teve como base o Art. 214B, que diz ser todo estrangeiro um imigrante em potencial, até provar ter laços estreitos com seu país de origem.
O julgamento coube somente ao agente consular, na entrevista. O artigo, de 1952, fere as leis americanas que asseguram inocência a todos, até prova em contrário.
Durante campanha, o presidente Obama prometeu transparência e responsabilidade. Porém, não há imputação legal para um agente consular. Ao inquiri-lo sobre as razões da recusa, a resposta apontou para uma nítida discriminação quanto à idade do casal e também pelo fato de nunca terem viajado para fora do Brasil, ocupados como estavam construindo o futuro da família. Enquadrados num perfil de possíveis imigrantes ilegais, sua documentação jamais foi examinada.
Se não estivesse presente, não teria acreditado que tal desrespeito pudesse acontecer. Onde está a transparência nas decisões dos agentes consulares? No site do Departamento de Estado dos EUA há dados curiosos sobre o percentual de concessões de vistos em diferentes consulados. O do Rio de Janeiro, em 2008, concedeu 13% menos do que em 1999. No mesmo período, o consulado americano de São Paulo concedeu 69% mais vistos do que o carioca. Além disso, as taxas cobradas pelo consulado americano, 131 dólares pelo visto e R$ 38 pela entrevista, não são devolvidas no caso de recusa.
Infelizmente, as promessas de responsabilidade e transparência feitas pelo presidente Obama não foram notificadas ao consulado do Rio. Como americano, pedi desculpas ao casal, cujo exemplo de perseverança não deveria ter sido enquadrado de forma tão preconceituosa.
Espero que não se tornem os mais novos antiamericanos.
James G. Smith é cidadão norteamericano residente no Brasil.
Publicado no jornal O Globo, 03 de março de 2009, Opinião - página 7
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