Dolores Duran
Uma cantora atemporal
Billy Blanco
No dia em que se completam 50 anos da partida de Dolores Duran, lembro-me de que nosso primeiro encontro também comemora uma data redonda. Ele se deu em 1949, numa reunião na casa do arquiteto e engenheiro civil Raul Marques de Azevedo, no Morro da Viúva. Iniciávamos nossas carreiras, e Dolores, aos 19 anos, impressionou a todos como a grande artista que era. Como cantora, conseguia ser fluente em diferentes idiomas, francês, espanhol, inglês, italiano... Na época, começava a atuar profissionalmente, na boate Vogue, e ali, naquela primeira noite, vi que teria uma carreira brilhante na música. Na verdade, já brilhava.
A partir daí, passamos a nos encontrar frequentemente, ela virou a minha principal intérprete, gravando o suficiente para um álbum completo. A primeira delas, em 1953, foi “Outono”, lançada pela Sinter. Em muitas ocasiões, também foi a primeira ouvinte de minhas composições. Logo, iria para a Rádio Nacional e passaria a fazer suas próprias canções.Foi uma compositora incomparável. No Brasil, a única no seu nível é Sueli Costa.
Dolores era uma criatura muito alegre, apesar de saber que não viveria tanto. Desde criança, estava consciente dos riscos que seu coração frágil oferecia. Seu médico dissera que iria morrer aos 12, depois, aos 16. Quando ela completou 21 anos, o médico disse que não faria mais prognósticos.
Dolores acabou morrendo aos 29 anos (em 24 de outubro de 1959), de algo que, hoje, poderia ser resolvido com uma simples operação.Ela representou um marco na música brasileira, que divido em antes e depois de Dolores. Seu papel para a bossa nova, que encarou com nobreza, é importante.
Compositora de samba-canção, também intérprete de standards, canções francesas, tudo que ela interpretava, enfeitava, era absoluto. A história tantas vezes contada de sua parceria com Tom Jobim em “Por causa de você” é muito reveladora de seu diálogo com a bossa nova.Tom mostrou a nova música dizendo que Vinicius de Moraes já tinha uma letra, mas Dolores fez a sua ali no bar, na hora. Em seguida, os dois ligaram para o letrista, que pediu que a cantassem pelo telefone. Após ouvi-la, Vinicius disse que era covardia, que a parceria teria que ficar com Dolores.Caso não partisse tão cedo, Dolores teria feito um sucesso ainda maior, continuaria crescendo como artista.
Seu talento e ecletismo como intérprete funcionariam como um passaporte para a carreira internacional, da mesma forma que aconteceu com tantos da geração da bossa nova, após o sucesso do gênero e o concerto no Carnegie Hall, em 1962.
No entanto, mesmo que tenha saído de cena prematuramente, em 1959, sua obra continuou influente. Ela sempre fez uma música de qualidade e atemporal. Foi boa antes, durante e depois.
BILLY BLANCO é compositor. Nascido em Belém do Pará, em 1924, ele chegou ao Rio em 1948. Também um dos primeiros parceiros de Tom Jobim, entre as suas canções na voz de Dolores Duran estão “Outono”, “A banca do destino”, “Pano legal”, “Estatuto de boite”, “Viva meu samba”, “Camelot”, “Coisa mais triste”, “Mocinho bonito”, “Praça Mauá” e “Eu sem você”.
Matéria publicada no jornal O Globo, Segundo Caderno, no dia 24 de outubro de 2009.
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