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Sonhadora


Reúno aqui, palavras, idéias e sentimentos. Se algum deles for seu e você não quiser que aqui estejam, me avise. Se algum deles for de alguém e estiver sem crédito, me conte. Espero que algum texto lhe toque assim como me tocou.


16 abril 2008

Lápis de cor - Fritz Utzeri






Quando eu era menino...
Fritz Utzeri


...no Paraguai, os presentes de final de ano eram distribuídos pelos Reis Magos. Papai Noel estava apenas começando a aparecer. Na tradição cristã, faz mais sentido presentear no dia de Reis. Não foi nesse dia que Baltasar, Gaspar e Melchior chegaram à manjedoura do Menino trazendo ouro, incenso e mirra? Ouro e incenso já conhecia, mas passei boa parte da minha infância cismado, imaginando o que poderia ser mirra, um verdadeiro mistério para mim.

Mas o dia de Reis é seis de janeiro e meu aniversário cai apenas alguns dias depois, o que me enchia de frustração. Afinal, o que seriam dois presentes acabavam, invariavelmente, transformados em um só. Ou num presente e numa lembrancinha. Eu morria de inveja dos meninos que faziam anos em julho, agosto, sei lá, ganhando dois presentes e passei anos desejando, secretamente, que os Reis Magos me trouxessem uma linda caixa de lápis de cor. Sonho vão. Tive várias caixas de lápis Johan Faber ao longo de minha vida escolar, umas abriam revelando araras e, com 12 cores, índios e cachoeiras... Ou seriam imagens de São Paulo? Mas não eram as caixas de meus sonhos.

Havia outra marca de lápis. Esta trazia o meu nome: Fritz Johansen, e nunca me conformei pelo fato dos lápis Faber terem mais prestígio do que os meus lápis. Faber ou Fritz, eles nunca chegaram como presente de dia de Reis ou de Natal, quando Papai Noel já dominara a festa e o 25 de dezembro afastara um pouco mais o primeiro presente do segundo, mas nunca o suficiente no entender do menino bobo que eu era.


Logo deixei de acreditar em Papai Noel e em muitas outras coisas. Pelo caminho, à medida que crescia, meus medos e meus refúgios de menino foram me abandonando. Um a um: fantasmas, lobisomens, mulas sem cabeça, vampiros, capetas, santos, anjos... Foram-se todos, sumiram junto com os velhos brinquedos usados, quebrados ou desmontados. Mas a caixa de lápis de cor permaneceu. Às vezes, já adolescente, ainda sonhava que acordava e a encontrava debaixo da cama.


Mais tarde, adulto, numa viagem, vi a primeira caixa de lápis de cor Caran d'Ache. Eram dezenas, alinhados e em cores tão fascinantes como não vira até então. Havia até lápis dourado e prateado! A lata em que estavam acondicionados tinha as montanhas da Suíça na tampa. Um tesouro! Perguntei o preço e me assustei. Estava fora de minhas possibilidades. O desejo ficaria, mais uma vez, adiado.


Os anos passaram, casei, os filhos vieram e meu filho mostrou, desde menino, grande aptidão para o desenho. Comecei a comprar lápis de cor em grande quantidade para estimular a sua vocação, lápis de cera, Crayola, coisas de lojas de desenho de Nova Iorque e Paris (morávamos lá quando eu era correspondente do JB). Eram lojas fabulosas, mas a presença das caixas de lápis de cor, ali, oferecidas, pareciam inibir o meu desejo. Não comprei.

Passaram-se mais alguns anos. De volta ao Brasil, não sei direito se contei o sonho de menino a meu filho Pedro (se contei, esqueci), mas um dia, vindo de Cannes, onde fora participar do Festival de Cinema Publicitário, chegou com um embrulho do tamanho de uma maleta 007 e deixei-o sobre a minha mesa sem dizer nada. Abri o embrulho e não acreditei. Lá estava a maior caixa de lápis de cor que ja vira. Toda em madeira, com gavetas e gavetas cheias de todos os matizes possíveis, com todos os pigmentos do mundo. O Rolls Royce das Caran d'Ache. A caixa de meus sonhos de menino. Uso-a com muito ciúme, cuidado e parcimônia. Tenho medo à medida que os lápis vão ficando menores. É como se o encanto daquilo pudesse ir se apagando aos poucos. Abro, fico olhando, e é tão bonito que dá pena usar. Ela reaviva sonhos e fantasias. De ficar ao ar livre desenhando e pintando paisagens. Serei ainda capaz?

De qualquer forma, foi o melhor presente que ganhei, depois de meus dois filhos, Pedro e Ana, e de um par de pequenos cachorrinhos de louça, que Liège (minha mulher) e eu compramos, juntos, nas Lojas Americanas, bem no início de nosso namoro. São duas minúsculas pecinhas, de alguns ralos cruzeiros, que nos acompanham há exatos 42 anos e simbolizam toda uma vida de amor. Neste domingo, Papai Noel já passou pelo Natal e os Reis Magos ainda estão seguindo a estrela guia que os levará, com seus presentes, ao Menino da Esperança. Para todos, todos vocês, o que desejar senão muito amor, muita paz e felicidade em 2004?



Publicado no Jornal do Brasil em 28 de dezembro de 2003