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Sonhadora


Reúno aqui, palavras, idéias e sentimentos. Se algum deles for seu e você não quiser que aqui estejam, me avise. Se algum deles for de alguém e estiver sem crédito, me conte. Espero que algum texto lhe toque assim como me tocou.


15 agosto 2006

Drummond - Adeus a Sete Quedas


Adeus a Sete Quedas

Carlos Drummond de Andrade
Jornal do Brasil, Caderno B, 09/09/1982



Sete damas por mim passaram,
E todas sete me beijaram.
Alphonsus de Guimaraens


Aqui outrora retumbaram hinos.
Raimundo Correia





Sete quedas por mim passaram,
e todas sete se esvaíram.
Cessa o estrondo das cachoeiras, e com ele
a memória dos índios, pulverizada,
já não desperta o mínimo arrepio.
Aos mortos espanhóis, aos mortos bandeirantes,
aos apagados fogos
de Ciudad Real de Guaira vão juntar-se
os sete fantasmas das águas assassinadas
por mão do homem, dono do planeta.

Aqui outrora retumbaram vozes
da natureza imaginosa, fértil
em teatrais encenações de sonhos
aos homens ofertadas sem contrato.
Uma beleza-em-si, fantástico desenho
corporizado em cachões e bulcões de aéreo contorno
mostrava-se, despia-se, doava-se
em livre coito à humana vista extasiada.
Toda a arquitetura, toda a engenharia
de remotos egípcios e assírios
em vão ousaria criar tal monumento.

E desfaz-se
por ingrata intervenção de tecnocratas.
Aqui sete visões, sete esculturas
de líquido perfil
dissolvem-se entre cálculos computadorizados
de um país que vai deixando de ser humano
para tornar-se empresa gélida, mais nada.

Faz-se do movimento uma represa,
da agitação faz-se um silêncio
empresarial, de hidrelétrico projeto.
Vamos oferecer todo o conforto
que luz e força tarifadas geram
à custa de outro bem que não tem preço
nem resgate, empobrecendo a vida
na feroz ilusão de enriquecê-la.
Sete boiadas de água, sete touros brancos,
de bilhões de touros brancos integrados,
afundam-se em lagoa, e no vazio
que forma alguma ocupará, que resta
senão da natureza a dor sem gesto,
a calada censura
e a maldição que o tempo irá trazendo?

Vinde povos estranhos, vinde irmãos
brasileiros de todos os semblantes,
vinde ver e guardar
não mais a obra de arte natural
hoje cartão-postal a cores, melancólico,
mas seu espectro ainda rorejante
de irisadas pérolas de espuma e raiva,
passando, circunvoando,
entre pontes pênseis destruídas
e o inútil pranto das coisas,
sem acordar nenhum remorso,
nenhuma culpa ardente e confessada.
(“Assumimos a responsabilidade!
Estamos construindo o Brasil grande!”)
E patati patati patatá...

Sete quedas por nós passaram,
e não soubemos, ah, não soubemos amá-las,
e todas sete foram mortas,
e todas sete somem no ar,
sete fantasmas, sete crimes
dos vivos golpeando a vida
que nunca mais renascerá.




Queridos Amigos,

O Poema acima eu li uma única vez, no dia 09 de setembro de 1982. Estava na faculdade, Uni-Rio, e um aluno de outra turma, Olympio, nos levou o JB. Creio que ele fez este ritual em todas as turmas. Todos o leram e todos se sentiram mutilados ... aquele dia não foi um dia feliz para quem leu este Poema ... Drummond falava por todos nós, estavámos todos unidos na dor desta perda. Os anos passaram e nunca me esqueci deste Poema, nunca esquecí-me deste dia, desta dor. Ao sair da faculdade, quis comprar o JB mas este já estava esgotado. Anos depois, mais de vinte ... procurei pelo Poema na net mas não o encontrei. Hoje, fiz nova tentativa e o encontrei neste endereço: Alguma Poesia
Depois de o reler, divido-o com vocês ... minha lembrança diz que aquele 9 de setembro era um dia tão lindo como o dia de hoje aqui no Rio ... não sei se minha lembrança está correta ou não ... a sensação de perda, mutilamente e tristeza permanece a mesma ...É o passado voltando ...Mas gosto do passado me visitando. Bem-vindo Passado!

Adoro reencontros ... e o Passado sempre me reencontra. Diria que ele, o Passado, é um companheiro fiel.

Reencontrei este Poema e o coloquei em meu Orkut em 20 de março de 2006.
Hoje, dia 15 de agosto, também é um lindo dia aqui na minha Cidade ...
Lindos dias acompanhando lembranças tão tristes ...

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

A dor é a mesma...Protesto pela construção da Hidrelétrica de Belo Monte, no Norte do Brasil, e seus inevitáveis desastres.

24 agosto, 2011 10:18  
Anonymous Anônimo said...

http://www.jblog.com.br/hojenahistoria.php?itemid=30518

01 setembro, 2015 15:31  

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