Nunca, como em dezembro, tenho a consciência de que não tenho tempo para nada
Dezembro
Artur Xexéo, Revista O Globo, 13/12/2009
Gosto das festas que costumam acontecer neste período pré-natalino. Mas também acho que este é o pior período do ano. É assim, dividido, que costumo chegar ao fim de cada jornada anual. Contente como uma criança diante dos presentes na árvore de Natal. Irritado como um cidadão cosmopolita estressado com o trânsito engarrafado, as muitas “caixinhas, obrigado” que aparecem à porta e, principalmente, com a falta de tempo. Nunca, como em dezembro, tenho a consciência de que não tenho tempo para nada.
Quando o mês se aproxima, sei lá, do dia 10, o mundo se mostra completamente diferente. São muitos os compromissos — o amigo oculto da firma, a feijoada tradicional do companheiro de peladas, o jantar que se repete todo ano com a turma do Clássico... Na verdade, não trabalho em firma, não jogo pelada, nunca fiz Clássico. Usei uma metáfora, entende? Para dizer que não tenho tempo para nada, que isso me angustia e que isso sempre acontece — ou se acumula — no fim do ano. É por isso que fico dividido. Logo o mês que traz tantas alegrias — presentes dados e recebidos, reuniões de família — tinha que vir acompanhado de tanta angústia? Não é justo.
É o mês também em que os telejornais se esmeram em mostrar exemplos edificantes de vida. A dona de casa nordestina que adotou 35 filhos de uma vez só, o aposentado que banca o Papai Noel e visita 14 creches na noite de Natal, os Doutores da Alegria, as agências dos Correios que atendem os pedidos de crianças que acreditam no bom velhinho... E eu, acostumado a chorar diante de seriados americanos, sou obrigado a chorar diante da vida real. Que droga de mês alegre é esse?
Dezembro é o mês que rende muitas alegrias gastronômicas. Mal posso esperar para ver o peru — exagerado em peso, é claro — assando no forno sob quantidades absurdas de manteiga. E o bolo de carne, tradição do Natal lá de casa, envolto em bacon, cuja receita foi aprendida num programa da BBC. E a maionese (também feita em casa), com alguns litros de óleo de milho, para acompanhar a salada verde (esta é só para disfarçar). São alegrias que, no entanto, já foram mais alegres. No tempo em que eu nem sabia o que significava colesterol. Hoje, vêm acompanhadas de culpa. E de um check-up completo, logo em janeiro, como precaução. Alegria e culpa? Está dando para entender por que eu fico dividido em dezembro?
Poderia relatar mil e uma atividades características do último mês do ano que me deixam metade extasiado de prazer, metade carregado de tristeza. Metade coberto de esperança, metade abatido pela melancolia. Mas vou ter que ficar por aqui. Não tenho tempo. Ainda não comprei um só presente de uma lista que, cada vez que vou revisá-la, aumenta um pouco. Pelo menos uma decisão as autoridades competentes deveriam tomar em relação a período tão esquizofrênico: liberar os colunistas de escreverem colunas em dezembro.
E eu assinaria embaixo se tivesse tempo ...