Achados e Perdidos

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Sonhadora


Reúno aqui, palavras, idéias e sentimentos. Se algum deles for seu e você não quiser que aqui estejam, me avise. Se algum deles for de alguém e estiver sem crédito, me conte. Espero que algum texto lhe toque assim como me tocou.


23 março 2007

M de Mírian

M de Mulher


Seus Malabarismos Mágicos Manipulam Marionetes.
Meninas, Mães, Madres, Marquesas e Ministras.
Madalenas ou Marias.
Marinas ou Madonas.
Elas são Manhãs e Madrugadas.
Mártires e Massacradas.
Mas sempre Maravilhosas, essas Moças Melindrosas.
Mergulham em Mares e Madrepérolas, em Margaridas e Miosótis.
E são Marinheiras e Magníficas.
Mimam Mascotes.
Multiplicam Memórias e Milhares de Momentos.
Marcam suas Mudanças.
Momentâneas ou Milenares, Mudas ou Murmurantes,
Multicoloridas ou Monocromáticas, Megalomaníacas ou Modestas,
Musculosas, Maliciosas, Maquiadoras, Maquinistas,
Manicures, Maiores, Menores, Madrastas,
Madrinhas, Manhosas, Maduras, Molecas,
Melodiosas, Modernas, Magrinhas.
São Músicas, Misturas, Mármore e Minério.
Merecem Mundos e não Migalhas.
Merecem Medalhas.
São Monumentos em Movimento, esses Milhões de Mulheres Maiúsculas.

Alberto Goldin - Pelo amor em linha reta

Pelo amor em linha reta


Tenho 26 anos, sou advogada, amo meu trabalho e tenho muitos amigos. Mas minha vida pessoal não vai bem. Tive meu primeiro namoro sério com Ronaldo, aos 23 anos. No início, era tudo maravilhoso. Depois de cinco meses, tornou-se algo doentio: comecei a ter um ciúme muito grande de uma vizinha dele. Comecei a ser possessiva, a querer saber tudo o que ele fazia, ligava sem parar para o celular dele. Ele não agüentou a pressão e terminou tudo. Ficamos separados, voltamos, depois ficamos mais alguns meses juntos, mas tudo se repetiu. Desta vez, quem terminou fui eu: não suportei meu comportamento. O tempo passou e hoje vejo tudo com outros olhos. Mas não consegui namorar mais por muito tempo: quando os problemas começam, eu termino. Tenho medo e insegurança de repetir o que fiz e me machucar. E medo de ficar sozinha para sempre. O que eu faço? Susana, Rio de Janeiro, RJ


Contato visual, sorrisos, sedução, cumplicidade, diálogo, aniversários, signos, confissões, afinidades. Aprovado. Mais uma vez Susana tinha encontrado o grande amor da sua vida. Em poucas semanas, o céu obscurece, um disjuntor dispara dentro dela e um calafrio sacode seu corpo. Transfigurada, olha para a direita e para a esquerda, seu olhar se torna diabólico, sente cheiro de mulher à distância, especialmente o das jovens bonitas que cercam o namorado. Opta por uma delas e então, celular em punho, monitora, vigia, persegue. Ocorrem discussões intermináveis até a inevitável ruptura. Susana pode prever a fatídica seqüência, mas é incapaz de evitá-la e, como último recurso e para não enlouquecer, opta pela existência solitária.

Sua história, de alguma forma, surpreende. Era de se esperar que uma mulher apaixonada estivesse feliz e fosse mais doce e generosa. O amor melhora o humor. Mas uma força alheia à sua vontade a impulsiona no sentido de destruir justamente aquilo que ama. O problema não está na infidelidade masculina, nem na voracidade erótica das jovens modernas. O problema é de Susana, que está impedida de amar.

Lembrei-me de uma história bastante parecida e a localizei nos meus arquivos. Era uma jovem que também repetia seus fracassos amorosos por ciúmes. Na época, conseguimos esclarecer seus motivos: tratava-se de uma intensa rivalidade com sua mãe. Quando era adolescente, seus pais tinham se separado por motivos próprios. A jovem acreditava ter sido a responsável pela separação e, já adulta, expressava sua culpa com ataques de ciúmes com os seus namorados. Na sua lógica neurótica, por ter separado seus pais, estava condenada a se separar dos homens que amasse.

No meu arquivo, duas notas sublinhadas em vermelho me surpreenderam: uma dizia “Psicose — Hitchcock”, e a outra, “A reta é a menor distância entre dois pontos”. A referência à geometria se referia à sua forma triangular de amar. Os amores saudáveis operam em linha reta e são a menor distância entre os amantes. Os amores neuróticos inventam um terceiro que transforma a linha em triângulo e ameaça a relação. Às vezes, como neste caso, o terceiro é uma mulher; em outros, um homem, uma sogra, uma posição econômica, qualquer coisa que torne o triângulo infernal. A menção ao filme “Psicose” foi importante na terapia e precipitou sua compreensão. Seu personagem principal, Norman Bates, quando desejava uma mulher, enlouquecia e a matava. Minha paciente, quando amava, destruía a relação. Ambos, reféns do passado, “matavam” por amor. Os dois estavam possuídos por uma mãe fantasmática.


Sobre Susana, não sabemos como foi a relação com sua mãe. Mas podemos afirmar que, por sua perspectiva, não merece ser amada, tem certeza de que será enganada, o que independe dos fatos reais. Sobre esta certeza, só lhe resta saber como, quando e com quem a traição será cometida. Norman Bates estava preso à sua mãe, minha antiga paciente criava triângulos imaginários. Susana, por sua vez, precisa rever seu passado e se esforçar para seus novos amores serem em linha reta. É a menor distância entre dois seres humanos.


Jornal O Globo, coluna Alberto Goldin, 18 de março de 2007

22 março 2007

"O povo tinha de ter o mesmo acesso à educação que tem a esses avanços tecnológicos"

“Toda vez que vou a um restaurante, pelo menos uma pessoa pede para eu me levantar e tirar uma foto com ela. E, agora, todo mundo tem celular que tira foto. Mas se eu começar a ficar nervoso com essa falta de educação, vou ficar mal com a minha vida. Mas confesso que está difícil. Parece que hoje em dia é aceitável uma pessoa atender ao celular, do seu lado, no cinema. Acabo saindo totalmente da história do filme para ouvir uma moça falando que está faltando ‘alface crespa na casa dela’. E há vários exemplos. Uma vez, em Belém, tive de interromper a peça ‘Dois na gangorra’ porque alguém na platéia não parava de tirar fotos, e com flash. Reclamei e fui aplaudido. Mas depois ficou um clima ruim. O povo tinha de ter o mesmo acesso à educação que tem a esses avanços tecnológicos. Antigamente, quando ouvia um celular tocando no cinema, pensava: ‘Gente, deve ser um transplante de coração e o órgão acabou de chegar!’ Mas não é nada disso. Então, mudei os meus horários de cinema. Tento ir só às segundas-feiras, depois do almoço. Final de semana é programa de índio. E é impressionante também a falta de qualidade das salas. Essa onda americana de Multiplex não colou aqui. Outro dia só havia dois funcionários atendendo a mais de 300 pessoas! Perdi 20 minutos do filme por causa disso.”


(Murilo Benício em reportagem ao jornal O Globo, Revista da TV, 18 de março de 2007)

19 março 2007

Martha Medeiros - Tão perto, tão longe ...



Adoro esta frase, "Tão perto, tão longe" ...


Tão perto e tão longe
Martha Medeiros, Revista O Globo, 18 de março de 2007


O livro da indiana Thrity Umrigar “A distância entre nós” conta a história de duas mulheres que vivem realidades distintas, mas que, ao mesmo tempo, estão próximas não só por viverem na mesma casa (são patroa e empregada) mas por terem sofrido, cada uma a seu modo, as humilhações impostas por uma sociedade machista. A história se passa em Mumbai (antiga Bombaim), mas poderia acontecer em qualquer capital brasileira, guardadas as diferenças culturais. A despeito dos acontecimentos que narra, o livro vale mesmo é por trazer à tona reflexões sobre distância e proximidade, duas coisas que, quando se tornam uma só, geram conflito na certa.

Vivemos neste mundo sem fronteiras, globalizado, automatizado, voyeurizado: basta teclar enter e você está em qualquer lugar, com todas as informações no seu colo, vendo e escutando o que quiser. Por um lado, é fascinante; por outro, não há mais personalização: somos público, somos massa, somos o todo. Não nos é dada mais a alternativa de estar ausente, de ser alguém difícil de encontrar e de identificar.

Perdemos o direito ao segredo, ao mistério e ao silêncio — tornaram-se coisas quase ilícitas. Ser uma pessoa reservada e discreta desperta desconfiança, e não respeito. Solidão, que já inspirou tão belos poemas, passou a ser considerada doença. Se estamos tristes, logo surge alguém recomendando uma medicação. E intimidade você não consegue ter mais nem consigo mesmo, tantas são as requisições externas, tanta é a dificuldade de se conectar com emoções verdadeiramente autênticas, à prova de manipulações. Livros, revistas e sites nos dizem como viver e o que sentir, como vencer obstáculos e ser feliz. Mas e se você não quiser ser feliz, quiser apenas viver? O quanto de espaço e liberdade temos para isso?

O mundo virou um favelão com gente amontoada, uns assistindo à vida dos outros, todos na mesma panela, cozinhados na mesma fervura. Estamos próximos demais dos escândalos do vizinho e das fofocas de Los Angeles, próximos demais de uma bala perdida e de um estranho que virou melhor amigo pela internet, próximos demais dos piercings íntimos de uma atriz e da nova descoberta científica mundial, próximos demais do perigo, do prazer e de pessoas que não conhecemos. Sem falar na vida não requisitada que entra pelo computador e pelo celular: promoções em que você não está interessado, mensagens que não quer receber. Você está dentro. É ingrediente do mesmo intragável cozido.

Desejar o que neste ano que ainda está no começo? Um pouco de distância, de arejamento, de área livre para se deslocar. Menos sufoco, mais tranqüilidade. Menos certezas absolutas, mais tempo ocioso, não preenchido com informações inúteis. Distância do que nos agride, do que nos perturba, do que nos vulgariza e ridiculariza. Distância para manter o discernimento, ter perspectiva. Quando embolados, não enxergamos o horizonte e é comum que nos atropelem e machuquem. Não sei você, mas não me sinto bem em lugares com lotação esgotada e poucas rotas de fuga. Pois é dessa claustrofobia que falo, da impressão de estar num planeta superlotado onde todos respiram no seu cangote, espiam por cima do seu ombro, observam seus passos e tentam adivinhar seus pensamentos e desejos mais íntimos. Todos tão perto e tão longe.

Artur Xexéo

Um telefonema na madrugada
Artur Xexéo, Revista O Globo, 11 de março de 2007


No divertido perfil de Preta Gil publicado, no domingo passado, aqui na revista, a cantora... Não, chamar Preta de cantora é reduzir demais as suas muitas atividades. Pois, então, aqui na revista, a múltipla Preta Gil relacionava as coisas que a assustam. Com exceção de "esquecer a fala no palco", experiência muito particular de uma determinada profissão, os temores de Preta são mais ou menos os temores de todos nós. Ela teme crises de consciência, violência e intolerância. Assim como a torcida do Flamengo, e a do Vasco, e a do Fluminense... Preta se assusta com Bush e com o casal Garotinho. Eu também, Preta! Eu também! E com a possibilidade de "levar caixotes no mar". Aí eu cheguei a pensar que não tinha nada a ver com Preta, pois, há mais de dez anos, não me aproximo de nada parecido com uma onda. Para mim, praia só com água clorada e azulejos no lugar da areia. Mas, pensando bem, será que não me afastei da praia exatamente porque tinha medo de levar caixote no mar? Pronto, fiquei igualzinho à Preta Gil outra vez.

Mas, de todas as coisas que assustam Preta, aquela com que mais me identifico é o "telefone tocando de madrugada" e "perder alguém que ama". Como se vê, são duas coisas. Mas Preta não me engana. Uma é inteiramente relacionada com a outra.

O toque do telefone de madrugada é realmente assustador. Mas não é assustador em si. A gente sabe que ninguém telefona de madrugada se não tiver uma notícia ruim para transmitir. E notícia ruim, ruim a ponto de precisar ser transmitida por telefone de madrugada, só pode ser sobre a perda ou a ameaça de perda de alguém que a gente ama.

Convivi muito tempo com telefonemas de madrugada. Esse período durou mais ou menos os últimos cinco anos de vida de minha mãe. Ela estava doente. Tinha insuficiência renal e problemas de pressão. Mas o que ela temia mesmo era um infarto. Pelas estranhas razões que movem nossos temores, minha mãe não tinha medo de sofrer um infarto pela manhã ou de tarde. Um infarto depois do café da manhã, na hora do chá ou durante a novela das oito era algo que não passava pela cabeça dela. Infarto, mesmo, só aconteceria de madrugada. Assim, pelo menos uma vez por semana, ela me telefonava, de madrugada, certa de que alguma coisa estava acontecendo com seu coração. A família inteira era mobilizada. Todos se reuniam na casa dela. Chamávamos o médico, muitas vezes uma ambulância, outra vezes íamos para o hospital para, quase sempre, descobrirmos que tudo não passava de um ataque de nervos. Era fita, como se dizia lá em casa.

Durante todo esse tempo, não me lembro de uma só noite de sossego. O sono era sempre interrompido pelo telefonema da madrugada ou pelo medo de não escutar o possível telefonema da madrugada.

Depois da morte de minha mãe, custei a descobrir o que continuava mantendo meu sono inquieto. Hoje sei que é a certeza de que nunca mais serei acordado por um telefonema dela de madrugada. Fazendo fita. Do que mais sinto falta hoje é o que mais me assustava tempos atrás: um telefonema na madrugada.

12 março 2007

12 de março - Dia do Bibliotecário

Obrigada Rita por este belo presente!

Cordel do Bibliotecário





Peço a Deus inspiração
Pra ditar neste papel
De alguém que faz dos livros
O mais belo painel
Em um trabalho diário
Falo do bibliotecário
Nas minhas rimas de cordel.

Leitura é o universo
Que fascina multidões
Que dá asas para a vida
Nos liberta dos grilhões
Letras são seus santuários
São esses bibliotecários
Dos livros os guardiões.

Só através das leituras
Conhecerão meus segredos
Meus sonhos, minhas vontades
Meus caminhos, meus enredos
Minhas dores e alegrias
Sorrisos e fantasias
Minhas vontades e medos.

Com os livros são zelosos
E com eles têm ternura
Nos facilitam o acesso
Para o mundo da cultura
Uns dos livros têm ciúmes
Das frases amam os perfumes
Mas sempre amam a leitura.

Incentivam o leitor
Ao novo, ao desconhecido
A um mundo de palavras
E de sonho colorido
Seja homem ou mulher
Sempre descobre o que quer
O seu leitor mais querido.

Bibliotecários com livros
Os preservam e empilham
Ao caminho dos leitores
Os seus passos sempre trilham
A leitura é seu sabor
Quando ganham um leitor
Seus olhos e alma brilham.

Também sempre organizam
Todos os bancos de dados
E se responsabilizam
Por tê-los classificados
Informações armazenam
E nenhum querer condenam
Todos são orientados.

Às vezes o seu trabalho
Tem anônimo valor
Isso ao bibliotecário
Nunca, nunca causa dor
Sua luta é ganhar leitores
Ajudar pesquisadores
No efeito multiplicador.

Seus caminhos são precisos
Suas ações são necessárias
Sejam bibliotecas públicas
Infantis, comunitárias
Sejam aquelas populares
Ou então as escolares
Mesmo as universitárias.

Tem os das bibliotecas
Que são especializadas
Para uma área restrita
As coleções são voltadas
Novo mundo pode ver
Orientando o saber
Com pesquisas detalhadas.

Eles que nos facilitam
O encontro da informação
Mais do que arrumar estantes
É a total transformação
Da arte para ciência
Todo dia uma experiência
Entra em seu coração.

Comum é os bibliotecários
Promoverem oficinas
Exposições e sessões
De leitura superfinas
Encantando com histórias
Retiradas das memórias
Os meninos e meninas.

E na era da Internet
Em que tudo é progresso
E nesse mundo high-tech
Será que eles têm ingresso?
Não importa muito o meio
Eles ofertam o passeio
Pra todos terem acesso.

Mas não são somente flores
No dia dos bibliotecários
Muito trabalho estressa
E também baixo salários
Fazer os investimentos
Para os reconhecimentos
Sempre serão necessários.

Mas com amor vão levando
E nunca perdem o pique
O universo da leitura
Para eles são o tique
Lutam pra que a nação
Seja mais justa e então
Mais harmônica ela fique.

Vou parar o meu cordel
Com amor e alegria
Mas o verso bem rimado
Sempre, sempre prestigia
Quem adora os glossários
Salve os bibliotecários
Adeus, até outro dia.

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César Obeid

http://www.teatrodecordel.com.br/


08 março 2007

Jabor (concordo que este artigo não seja pessimista)

Onde está o neo-amor?
Não há mais lugar para o ‘happy end’
Arnaldo Jabor, O Globo, 06 de março de 2007


Eu já fiz filmes de amor. Talvez por isso, e também pela música de Rita Lee com texto que escrevi, pessoas que encontro na rua me agarram e perguntam: “Mas... afinal, o que é o amor?”. E esperam, de olho muito aberto, uma resposta “profunda”. Eu penso, penso, e digo: “Sei lá...”

Não sei, ninguém sabe, mas há no ar um lamento profundo pelo fim do sonho platônico de harmonia, de felicidade, de happy end. Sinto dizer, mas não há mais espaço para o happy end, nem no amor, nem na política, em nada.

Quando eu era jovem, nos anos 60/70, o amor era um desejo romântico. Depois, nos anos 80/90, foi ficando um amor de consumo, um amor de mercado. O ritmo do tempo acelerou o amor, o dinheiro contabilizou o amor, matando seu mistério impalpável.

O amor, e tudo mais, está perdendo a transcendência. Não existe mais o amante definhando de solidão, nem romeus nem julietas, nem pactos de morte, não existe mais o amor nos levando para uma galáxia remota, nem a sagrada simbiose que nos traria a eternidade feliz. O amor não tem mais porto, não tem onde ancorar, não tem mais a família nuclear para se abrigar. O amor ficou pelas ruas, em busca de objeto, esfarrapado, sem rumo. Não temos mais músicas românticas, nem o lento perder-se dentro de “olhos de ressaca”, nem o formicida com guaraná. Mas, mesmo assim, continuamos ansiando por uma paixão impossível. Existe o amor, claro. O que chamamos de “amor” vive dentro de nós como uma fome “celular”. Está entranhado no DNA, no fundo da matéria. É uma pulsão inevitável, é uma reprodução ampliada da cópula entre o espermatozóide e o óvulo, interpenetrando-se. Somos grandes células que querem se re-unir, separadas pelo sexo que as dividiu. O resto é literatura. Se bem que grande poetas como John Donne sabiam que não viramos “anjos” com o amor; sabiam que o amor é uma demanda da Terra, para atingirmos a calma felicidade dos animais.

Mas, onde anda hoje em dia esta pulsão chamada “amor”? Bem... vamos lá:

Uma das marcas do século XXI é o fim da crença na plenitude, na inteireza, seja no sexo, no amor e na política. Não adianta nos lamentarmos, pois estamos diante de um mundo afetivo e sexual muito novo, que muda veloz como a tecnologia.

Se isso é um bem ou um mal, não sei. Mas é inevitável.

Temos de parar de sofrer romanticamente porque “acabou o amor” (ou mesmo o paraíso social...) ou, ao menos, o antigo amor.

O pensamento afetivo, amoroso, ou filosófico continua lamentando uma unidade perdida. Continuamos — amantes ou filósofos — a sonhar como uma volta ao passado harmônico. Temos uma nostalgia lírica por alguma coisa que pode voltar atrás. Não volta. Nada volta atrás. Há que perder esperanças antigas e talvez celebrar um sonho mais trágico, efêmero. Em tudo.

Não adianta lamentar a impossibilidade do amor. Temos de celebrar o neo-amor. Cada vez mais só o parcial, o fortuito é gozoso. Só o parcial nos excita. Temos de parar de sofrer por uma plenitude que não chega nunca.

Hoje, há que assumir a incompletude talvez como única possibilidade humana. E achar isso bom. E gozar com isso.

Em todas as revistas, fotos, filmes, a imagerie do erotismo contemporâneo “esquarteja” o corpo humano. Vejam as artes gráficas, fotos de revistas de arte, como “Photo” (ou em Tarantino), onde tudo é (reparem) decepado, dividido, pés, sapatos escarpins negros, unhas pintadas, bocas vermelhas, paus, seios, corpos imitando coisas, tudo solto como num abstrato painel. Tudo evoca a impossibilidade saudosa de um “objeto total”, da pessoa inteira.

À primeira vista parece uma louvação da perversão, do fetichismo, do erotismo das “partes”, do “amor em pedaços”. No entanto, estamos além do fetichismo, além da perversão — conceitos do século XIX.

Não há mais “todo”; só partes. O verdadeiro amor total fica cada vez mais impossível, como as narrativas romanescas.

Hoje em dia, não há mais noção do que seria a felicidade, como antigamente. O que é ser feliz? Onde está a felicidade no amor e sexo? No casamento?

Sem a promessa de amor eterno, tudo vira uma aventura. Em vez da felicidade, o gozo rápido do sexo ou o longo sofrimento gozoso do amor, só as fortes emoções, a deliciosa dor, as lágrimas, hotéis, motéis, perdas, retornos, desertos, luzes brilhantes ou mortiças, a chuva, o sol, o nada.

O amor hoje é um cultivo da “intensidade” contra a “eternidade”. É o fim do happy end. É bom que acabe esta mentira do idealismo romântico americano, para legitimar a família e a produção, pois, na verdade, tudo acaba mal na vida. Não se chega a lugar nenhum porque não há onde chegar.

O amor, para ser eterno, tem de ficar eternamente irrealizado. A droga não pode parar de fazer efeito e, para isso, a prise não pode passar. Aí, a dor vem como prazer, a saudade como excitação, a parte como o todo, o instante como eterno. E, atenção, não falo de masoquismo; falo de um espírito do tempo. É bom sofrer numa metafísica passional, é bom a saudade, a perda, tudo, menos a insuportável felicidade. Tudo bem, buscarmos paz e sossego.

Tudo bem nos contentarmos com o calmo amor, com um “agapê”, uma doce amizade dolorida e nostálgica do tesão, tudo bem... Mas a chama emocionante só vem com a droga pesada do século XXI: a paixão. E isso é bom. Temos que acabar com a idéia de felicidade fácil. Enquanto sonharmos com a plenitude seremos infelizes. A felicidade não é sair do mundo, como privilegiados seres, como estrelas de cinema, mas é entrar em contato com a trágica substância de tudo, com o não-sentido, das galáxias até o orgasmo. Temos de ser felizes sem esperanças.

E tem mais: este artigo não é pessimista.

07 março 2007

O outro lado da moeda

Entre na página principal após a apresentação dos slides. Há legendas em várias línguas...

http://www.ekincaglar.com/coin/flash-br.html


Retrato de João Cândido com cavalo



Adoro este quadro.







Retrato de João Candido com Cavalo, 1941.

Pintura a óleo/tela100 x 81cm. Rio de Janeiro, RJ. Assinada e datada no canto inferior direito "PORTINARI 941". Coleção particular, Fortaleza,CE.

Fonte: http://www.portinari.org.br