Achados e Perdidos

Minha foto
Nome:
Local: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil

Sonhadora


Reúno aqui, palavras, idéias e sentimentos. Se algum deles for seu e você não quiser que aqui estejam, me avise. Se algum deles for de alguém e estiver sem crédito, me conte. Espero que algum texto lhe toque assim como me tocou.


30 janeiro 2007

Bar Luiz


Bar Luiz: 120 anos de um patrimônio da boemia
Casa faz aniversário com festa


Uma festa, regada a chope e samba, comemorou ontem os 120 anos de um patrimônio da boemia carioca: o tradicional Bar Luiz, na Rua da Carioca. A casa recebeu clientes ilustres, como o cartunista Jaguar. A proprietária, Rosana Santos, viúva do bisneto do fundador, disse ser um orgulho conseguir manter uma tradição por mais de um século.

-- Fazer sucesso é difícil. Manter o sucesso por mais de um século é mais difícil ainda. Acho que conseguimos porque nossa filosofia é "cada dia é um novo dia" -- diz Rosana, que comanda 50 funcionários (com apenas uma mulher) e prepara uma das quatro filhas para assumir os negócios.

O Bar Luiz completou 120 anos, na verdade, no dia 3, mas como a data ficava próxima ao réveillon, a festa acabou adiada para ontem. O vice-governador, Luiz Fernando Pezão, participou da festa representando o governador Sérgio Cabral. As comemorações incluíram um desfile da Escola de Samba Estácio de Sá, na Rua Carioca, e a apresentação de um grupo de samba. Jaguar lembrou de episódios pitorescos, como no dia em que Ary Barroso impediu que o bar fosse destruído:

-- Foi durante a guerra, quando ainda era Bar Adolf, não em homenagem a Hitler, mas ao ex-dono. Como cliente assíduo, Ary impediu que manifestantes destruíssem o bar.


Jornal O Globo, pág. 15, 30 de janeiro de 2007

25 janeiro 2007

Veríssimo - Invólucro


Invólucros

Luis Fernando Veríssimo, O Globo, 25 de janeiro de 2007


Telefones celulares, agendas eletrônicas e computadores portáteis cada vez mais compactos, e portanto com teclas cada vez menores, pressupõem usuários com dedos finos. Se vale a teoria da seleção natural de Darwin, as pessoas com dedos grossos se tornarão obsoletas, não se adaptarão ao mundo da microtecnologia e logo desaparecerão. E os dedos finos dominarão a Terra. Há quem diga que, como os miniteclados impossibilitam a datilografia tradicional e, com o advento das calculadoras, os cinco dedos em cada mão perderam a sua outra utilidade prática, que era ajudar a contar até dez, os humanos do futuro nascerão só com três dedos em cada mão: o indicador para digitar (e para indicar, claro), o dedão opositor para poder segurar as coisas e o mindinho para limpar o ouvido.

Outra inevitável evolução humana será a pessoa já nascer com um dispositivo - talvez um dente adicional, cuneiforme, na frente - para desembrulhar CDs e outras coisas envoltas em celofone, como quase tudo hoje em dia. E fiquei pensando no enorme aperfeiçoamento que seria se as próprias pessoas viessem envoltas numa espécie de celofane em vez de pele. Imagine as vantagens que isto traria. No lugar de derme e epiderme, uma pele transparente que permitisse enxergar todos os nossos órgãos internos, tornando dispensáveis o raio X e outras formas de nos ver por dentro. Bastaria o paciente tirar a roupa para o médico olhar através da sua pele e dar o diagnóstico, sem precisar apalpar ou pedir exames.

Está certo, seríamos horrorosos. Em compensação, a pele transparente seria um grande equalizador social. "Beleza interior" adquiriria um novo sentido e ninguém seria muito mais bonito que ninguém, embora alguns pudessem ostentar um baço mais bem acabado ou um intestino delgado mais estético, e o corpo de mulheres com pouca roupa ainda continuasse a receber elogios ("Que vesícula!"). Acabaria a inveja que as mulheres têm, uma da pele das outras, e a conseqüente necessidade de peelings, liftings, botox, etc. E como todas as peles teriam a mesma cor - cor nenhuma - estaria provado que somos todos iguais sob os nossos invólucros, e não existiria racismo.

Fica a sugestão, para quando nos redesenharem.

Tom Jobim - 80 anos


Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim
25 de janeiro de 1927 - 08 de dezembro de 1994


Águas de março (1972)
Andam dizendo (Tom e Vinícius, 1962)
Anos Dourados (Tom e Chico, 1986)
Corcovado (1960)
Desafinado (Tom e Newton Mendonça, 1958)
Dindi (Tom, Aloysio de Oliveira e Ray Gilbert, 1959)
Eu sei que vou te amar (Tom e Vinícius, 1959)
Este seu olhar (1959)
Fotografia (1959)
Garota de Ipanema (Tom e Vinícius, 1962)
Lígia (1972)
Luiza (1981)
Por causa de você (Tom e Dolores Duran, 1957)
Retrato em preto e branco (Tom e Chico, 1968)
Sabiá (Tom, Chico e Norman Gimbel, 1968)
Samba do avião (1962)
Se todos fossem iguais a você (Tom e Vinícius, 1956)
Só em teus braços (1959)
Tereza da praia (Tom e Billy Blanco, 1954)
Wave (1967)

17 janeiro 2007

É tudo somente sexo e amizade ...









Tá Combinado

Peninha



Então tá combinado, é quase nada
É tudo somente sexo e amizade.
Não tem nenhum engano nem mistério.
É tudo só brincadeira e verdade.
Podemos ver o mundo juntos,
Sermos dois e sermos muitos,
Nos sabermos sós sem estarmos sós.
Abrirmos a cabeça
Para que afinal floresça
O mais que humano em nós.
Então tá tudo dito e é tão bonito
E eu acredito num claro futuro
de música, ternura e aventura
Pro equilibrista em cima do muro.
Mas e se o amor pra nós chegar,
De nós, de algum lugar
Com todo o seu tenebroso esplendor?
Mas e se o amor já está,
se há muito tempo que chegou
E só nos enganou?
Então não fale nada, apague a estrada
Que seu caminhar já desenhou
Porque toda razão, toda palavra
Vale nada quando chega o amor...


08 de janeiro de 2007 ... Um dia especial!





Foto: http://brando.crosscity.com

12 janeiro 2007

O amor no terceiro milênio




O amor no terceiro milênio
Flavio Gikovate


Não é apenas o avanço tecnológico que marcou o início desde milênio. As relações afetivas também estão passando por profundas transformações e revolucionando o conceito de amor.

O que se busca hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito, alegria e prazer de estar junto, e não mais uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar.

A idéia de uma pessoa ser o remédio para nossas felicidades, que nasceu com o romantismo, está fadada a desaparecer neste início de século. O amor romântico parte da premissa de que somos uma fração e precisamos encontrar nossa outra metade para nos sentirmos completos. Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que, historicamente, tem atingido mais a mulher. Ela abandona suas características para se amalgamar ao projeto masculino. A teoria da ligação entre opostos também vem dessa raiz: o outro tem de saber fazer o que eu não sei. Se sou manso, ele deve ser agressivo, e assim por diante. Uma idéia prática de sobrevivência, e pouco romântica, por sinal.

A palavra de ordem deste século é parceria. Estamos trocando o amor de necessidade pelo amor de desejo. Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso - o que é muito diferente.

Com o avanço tecnológico, que exige mais tempo individual, as pessoas estão perdendo o pavor de ficar sozinhas, e aprendendo a conviver melhor consigo mesmas. Elas estão começando a perceber que se sentem fração, mas são inteiras. O outro, com o qual se estabelece um elo, também se sente uma fração. Não é príncipe ou salvador de coisa alguma. É apenas um companheiro de viagem.

O homem é um animal que vai mudando o mundo, e depois tem de ir se reciclando para se adaptar ao mundo que fabricou. Estamos entrando na era da individualidade, o que não tem nada a ver com egoísmo. O egoísta não tem energia própria, ele se alimenta da energia que vem do outro, seja ela financeira ou moral. A nova forma de amor, ou mais amor, tem nova feição e significado. Visa a aproximação de dois inteiros, e não a união de duas metades. E ela só é possível para aqueles que conseguirem trabalhar sua individualidade. Quanto mais o indivíduo for competente para viver sozinho, mais preparado estará para uma boa relação afetiva.

A solidão é boa, ficar sozinho não é vergonhoso. Ao contrário, dá dignidade à pessoa. As boas relações afetivas são ótimas, são muito parecidas com o ficar sozinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem. Relações de dominação e de concessões exageradas são coisas do século passado. Cada cérebro é único. Nosso modo de pensar e agir não serve de referência para avaliar ninguém. Muitas vezes, pensamos que o outro é nossa alma gêmea e, na verdade, o que fizemos foi inventá-lo ao nosso gosto.

Todas as pessoas deveriam ficar sozinhas de vez em quando para estabelecer um diálogo interno e descobrir sua força pessoal. Na solidão, o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito só podem ser encontradas dentro dele mesmo, e não a partir do outro. Ao perceber isso, ele se toma menos crítico e mais compreensivo quanto às diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um.

O amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável. Nesse tipo de ligação, há o aconchego, o prazer da companhia e o respeito pelo ser amado. Nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem de aprender a perdoar a si mesmo...



"A pior solidão é aquela que se sente quando acompanhado."

Veríssimo - Bárbaros

Bárbaros

Luis Fernando Veríssimo, O Globo, 11 de janeiro de 2007


A hipocrisia é uma característica comum dos impérios, mas alguns exageram. Quando a rainha Vitória se declarou chocada com os bárbaros chineses em revolta contra os ingleses, no fim do século dezenove, não mencionou que a revolta era uma reação dos chineses à obrigação de importar o ópio que os ingleses plantavam na Índia, tendo destruído sua agronomia no processo.

Os ingleses obrigaram os hindus a abandonarem culturas tradicionais para produzir ópio e foram á guerra pra obrigar os chineses a consumi-lo, num momento particularmente bárbaro da sua história. Mas ninguém nunca se declarou muito chocado com o comportamento da rainha Vitória, fora as especulações sobre o seu caso com um cavalariço.

Havia sempre bárbaros convenientes nas fronteiras dos impérios: orientais fanáticos, monstros primitivos, dervixes messiânicos, tiranos sanguinários. Legitimavam a conquista colonial, transformando-a em missão civilizadora, enobreciam a raça conquistadora pelo contraste e -- em episódios com o da Guerra do Ópio -- disfaçavam a barbaridade maior dos civilizados com a truculência já esperada de raças inferiores. A hipocrisia imperial continua e agora chegou a outro auge na reação à execução desastrada do Saddam Hussein. Um comandante americano no Iraque declarou que se eles fossem encarregados de matar o monstro teriam feito diferente. Claro que fariam. Quando Bush era governador do Texas, não pensou em suspender nenhuma das mais de 150 execuções realizadas no estado durante seu governo, certamente confiante que todas seriam civilizadas e tecnicamente impecáveis. Mas o que se poderia esperar de bárbaros se não um enforcamento indigno? Como se qualquer modo de enforcamento, ou qualquer modo de execução, pudesse ser digno. A CIA terceirizou a tortura, levando suspeitos para serem interrogados por bárbaros úteis em países com norrau no assunto. Longe da civilização americana, que não faz essas coisas. Presume-se que os agentes da CIA tapem os ouvidos durante as sessões de tortura, para não serem conspurcados pela indignidade alheia.

Tony Blair, a rainha Vitória do momento, também se declarou chocado com a execução pouco civilizada de Saddam. Não teve os mesmos escrúpulos ao apoiar o ataque ao Iraque justificado com mentiras que ele sabia serem mentiras, como prova o famoso memorando em que lhe contaram que os americanos estavam adapetandos os fatos à decisão, já tomada, de invadir. E já devem ter morrido mais iraquianos e anglo-saxões no Iraque do que chineses e ingleses na Guerra do Ópio.

Cora Rónai - Diário de bordo

Diário de bordo: rumo a Las Vegas
Boa romaria faz quem em casa fica em paz

Cora Rónai, O Globo, Segundo Caderno, 11 de janeiro de 2007


Viajar para os Estados Unidos é um esporte cada vez mais radical, um teste contínuo para os nervos, a resistência e a paciência, com obstáculos de toda a sorte pelo caminho. Algumas notas de viagem:

6.1.2007, 14h20: a primeira etapa, depois de uma saída pontual e sem problemas do Brasil, foi passar duas horas -- 120 minutos -- na famigerada fila da imigração, às sete da manhã. Isso porque, para uns cinco ou seis aviões que chegaram simultaneamente, havia oito inspetores, cinco para a fila de cidadãos americanos, que andava rapidinho, e três para aquela coisa vaga conhecida como "resto do mundo". Sendo que um americano gasta a metade do tempo de um estrangeiro na inspeção porque não só entende o que diz a autoridade de língua presa como, ainda por cima, não precisa responder por que está aqui, para onde vai e quanto tempo pretende ficar.

Antigamente, eu achava essas perguntas impertinentes e desnecessárias. Mudei de idéia. Qualquer pessoa que venha para cá de livre e espontânea vontade, tendo o mundo inteiro à disposição, só pode mesmo ser doida, e com doidos há que tomar cuidado.

Como resultado da ineficiência e da incompetência dos inspetores, praticamente todos os passageiros estrangeiros perderam suas conexões. Não fui exceção. Perdi o vôo direto para Las Vegas que saía às 8h25, e fui remanejada para o das12h50... com troca de avião em Chicago. Sendo que troca de avião aqui não é só sair de um e entrar no outro; é passar pela segurança sem sapato, tirar o notebook da mala, perder a garrafa d?água e outros aborrecimentos do gênero.

Ma chi me lo fa fare?! Quem me obriga a isso?! Não posso culpar ninguém a não ser eu mesma. Acontece que, na outra ponta dos dissabores, está a maior feira de eletro-eletrônicos do mundo, seguida de cinco dias com os netos. A combinação é irresistível para esta avó hi-tech.

Talvez ao chegar a Vegas e descansar disso tudo a indignação diminua, mas agora estou cuspindo marimbondo: este país enlouqueceu de vez. Alguém tem que trancar isso aqui e jogar a chave fora, com a máxima urgência.

Neste momento, escrevo da sala vip da United. Como Dulles é uma porcaria de aeroporto, a sala vip não fica atrás. Aquela ducha bacana que se pode tomar em São Paulo, por exemplo, nem pensar. Há pacotinhos de pretzels, bananas e maçãs, uma máquina de café e uma cáfila de refrigerantes, mas não há um único jornal ou revista, exceto a Hemispheres, que é a Ícaro cá deles, e que todos já leram a bordo.

Há o wi-fi que estou usando, é verdade... mas é pago. Calma, Cora, calma.

* * *

6.1.2007, 22h40: O avião sobrevoa montanhas nevadas. Saí de casa ontem às 17h30. A última refeição decente que fiz foi assim que decolamos de São Paulo, depois da meia-noite: salmão grelhado com salada e torta de maçã com calda de canela, muito gostoso. A viagem já se arrasta por 29h10.

No assento do meio, ronca um nativo tipicamente sobrepesado, desmaiado por cima de mim. Verdade se diga, está desmaiado também por cima do passageiro do outro lado -- mas aquele, pelo menos, está sentado no corredor e pode se levantar de vez em quando. Ainda assim a janela compensa: uma das poucas coisas boas da viagem sempre enrolada para Las Vegas é sobrevoar essas montanhas e o Grand Canyon, que já não verei por causa da hora.

Minha agenda cuidadosamente planejada, que previa adiantar três coisas hoje, foi pro brejo. Estou tão cansada que já ultrapassei os limites do cansaço; funciono em piloto automático.

É impressionante como os Estados Unidos conseguiram transformar algo que se fazia com prazer num autêntico suplício. O estresse da viagempara cá começa antes mesmo do embarque, com a saraivada de perguntas mecânicas e cretinas (Quem fez as malas? Quantos dólares tem na carteira? Está trazendo explosivos?) e as "medidas de segurança": meus três tubinhos minúsculos de hidratante, creme para as mãos e pasta de dente foram colocados num ziploc que, em seguida... me foi entregue!

Ora, supondo que eu fosse capaz de produzir uma bomba de grande poder destrutivo juntando o hidrante, o creme e o dentifrício, no que é que esse saco plástico idiota me impediria de fazê-lo -- e de mandar a aeronave pelos ares, literalmete?!

Nenhuma "medida de segurança" desse povo faz qualquer sentido. O pior é que ninguém se dá sequer ao trabalho de pensar a respeito do assunto, quem dirá questioná-lo. Descalçar moçoilas de sapatilhas e velhinhos de sandálias ortopédicas é tão inútil quanto tirar os notebooks das malas mas deixar em paz as câmeras fotográficas mais poderosas. Ninguém precisa ser um gênio do mal para perceber que, no corpo de uma dessas câmeras, é possível esconder tantas coisas quanto no de um computador.

Ou todos os eletrônicos de certo porte oferecem o mesmo risco (e deveriam, portanto, receber o mesmo tratamento), ou toda essa papagaiada só tem por objetivo cultivar o medo, numa ação contínua de terrorismo de estado que, a essa altura, já fez mais estragos do que o 11 de setembro. Hoje este é um país de carneiros acovardados, que marcham para o abatedouro com os sapatos nas mãos.

09 janeiro 2007

Último Tango em Paris - 1973

Último Tango em Paris (Last Tango in Paris), lançado em 01 de fevereiro de 1973. Com Marlon Brando e Maria Schneider, direção de Bernardo Bertolucci e músicas de Gato Barbieri.






































05 janeiro 2007

Cora Rónai - O Caso do Poema Roubado








O caso do poema roubado: quem poderia adivinhar o que havia dentro do pacote suspeito que apareceu no sítio?

Cora Rónai, O Globo, Segundo Caderno, 04 de janeiro de 2007

Há coisa de dois ou três meses apareceu, no portão do sítio, um pacote grande, embrulhado num saco de lixo preto. Ninguém viu quem trouxe. Amanheceu e estava lá. Assim que foi notado, ficaram todos da casa, bípedes e quadrúpedes, muito cabreiros com a sua presença. Nos dias de hoje, ninguém vê com confiança ou simpatia pacotes grandes, embrulhados em sacos de lixo preto.

Os cachorros cheiraram e latiram, os gatos mantiveram distância, o Dirceu olhou de longe, cutucou com uma vareta, chamou Mamãe. O conteúdo parecia duro, sólido, como madeira. Não era nada morto, com certeza. E não parecia ser bomba, muito embora ninguém da família tenha a mais remota idéia de como seja uma bomba, salvo pelo que se vê no cinema e nos desenhos animados.

Finalmente, depois de mais cutucadas e de muita hesitação, o pacote foi trazido para dentro, e aberto com cuidado que a desconfiança recomendava. Quando o conteúdo se revelou, surpresa total: quem poderia imaginar que um poema roubado há 30 anos voltasse ao lar daquela maneira?!

***************

Quando o sítio ficou pronto, em princípios dos anos 60, uma das primeiras providências dos meus pais foi espalhar pelo jardim e pela floresta uma dúzia de poemas. Papais os selecionava. Mamãe os pintava em tabuletas e ambos escolhiam juntos, com capricho, as árvores e os cantinhos onde seriam expostos. Passear pelo sítio era como entrar numa pequena antologia sentimenta.

Com o tempo, as tabuletas foram sumindo. Algumas queimaram junto com as suas árvores nos incêndios que, há alguns anos, eram comuns na região e que, apesar dos esforços do pessoal lá de casa, eventualmente atingiam partes do terreno. Outras foram vítimas do tempo. A maioria, porém, desapareceu sem deixar vestígios.


***************

O poema devolvido chama-se "Casa antiga", foi escrito em 1964 por minha madrinha Cecília Meireles e dedicado a Nora e Paulo Rónai:

"Forrarei tua casa já tão antiga
Com um papel que imita as paredes de tijolo.
Ficará tão lindo como se estivéssemos na Holanda.
Forrarei tua casa assim, mas por dentro,
De modo que, longe de todas as vistas,
Será como se estivéssemos ao ar livre, no jardim
E deixarei uma parede quebrada - não uma porta, não uma janel:
Uma parede quebrada por onde passe um ramo de goiabeira
Carregado de flores e vespas.
Parecerá que estamos sonhando,
E estamos sonhando mesmo,
E parecerá que estamos vivendo,
E a vida não é mesmo um sonho impossível?"


***************

Dentro do pacote, junto com a tabuleta, veio um bilhete escrito em letra pouco cultivada, na folha arrancada de um caderno. Dizia o seguinte: "Quando era menino achei este quadro lindo, pelo poema. Peço perdão por ter roubado este quadro. Hoje me converti a Jesus e sinto necessidade de devolvê-lo. Sinto-me envergonhado pela minha atitude. Mais era só um menino. Peço perdão a Deus e a vocês. E que vocês também consigam perdoar."

Não havia nome, assinatura, nada. Ficamos com muita pena, pois teríamos gostado de conhecer e abraçar o menino antigo que roubou o poema e o homem correto que o devolveu, passados tantos anos. Mal sabe ele que nos deu um presente muito maior do que o que levou: um mundo onde crianças roubam poemas e adultos os devolvem é um mundo de beleza e esperança.





Foto: Cora Rónai.

04 janeiro 2007

Fernando Sabino

"...Uma imagem o persegue, como símbolo: o lorde inglês que mora num castelo e vai jantar sozinho - veste o smoling, janta, depois toma o seu conhaque junto à lareira acesa, sobe, tira o smoking, veste um pijama e vai dormir.

"Um ritual de civilidade como o do cego que acende a luz e faz sozinho a barba no espelho", compara. "Tenho horror à desordem, à multiplicação desordenada, como as células do câncer.""


"...Tomo todo o cuidado para não confundir minha mulher com um parente e muito menos com uma empregada. Não que eu tenha alguma coisa contra parentes ou empregadas, pelo contrário: entre meus parentes há pessoas admiráveis, a quem quero bem, e há empregadas com quem eu me casaria. (...) Mas a existência do parente não decorre de uma opção, como a da mulher. Nada pior do que transformar uma alegria numa obrigação. A intimidade não exclui o respeito mútuo. Há na vida em comum certa privacidade de cada um que deve ser preservada. Por isso procuro evitar o desgaste que trazem para o casamento os pequenos problemas e atritos da vida cotidiana, e estabelecer com minha mulher um relação que se renova a cada hora. Estamos quase sempre juntos. Quando ela não está comigo, tenho a sensação de estar perdendo tempo. Vivemos juntos há quase 15 anos. Espero que fiquemos juntos para sempre."


Terminei de ler esta manhã o livro "Fernando Sabino : reencontro", de Arnaldo Bloch.

02 janeiro 2007

Adeus Braguinha




O carioca Braguinha olha mar de Copacabana em 1997



Carinhoso
(Pixinguinha e João de Barro)


Meu coração
Não sei por quê
Bate feliz
Quando te vê
E os meus olhos ficam sorrindo
E pela rua vão te seguindo
Mas mesmo assim
Foges de mim
Ah! Se tu soubesses
Como eu sou tão carinhoso
E o muito e muito
Que te quero
E como é sincero o meu amor
Eu sei que tu
Não fugirias mais de mim
Vem, vem, vem, vem
Vem sentir o calor
Dos lábios meus
À procura dos teus
Vem matar esta paixão
Que me devora o coração
E só assim, então
Serei feliz
Bem feliz



"A vida só gosta de quem gosta dela"

Carlos Alberto Ferreira Braga, Carlinhos, Braguinha, João de Barro
29 de março de 1907 - 24 de dezembro de 2006